Luiz Gonzaga
Por Luís Pimentel
De Cabo a Rabo, de ponta a cabeça ou de fio a pavio, o ritmo que melhor se ajeita sob a luz do candeeiro, nos arrasta-pés em chão de terra batida, é ainda ritmo e gênero eternos. O forró é de todos, e não só de quem dança. Refiro-me, naturalmente, ao forró forrado e rasgado, visceral e verdadeiro; não a este
mise-en-scene estilizado que temos aprendido nas academias de dança da Zona Sul do Rio de Janeiro.
O mais nordestino dos ritmos brasileiros e mais brasileiro dos ritmos nordestinos tem três nomes que são, a meu ver, essência não só do forró como de toda a música popular brasileira: Jackson do Pandeiro, Luiz Gonzaga e João do Vale. Não necessariamente nessa ordem, não há critério de importância, muito menos ordem alfabética.
Chico Buarque recomendou: "Contra fel, moléstia e crime/Use Dorival Caymmi, vá de Jackson do Pandeiro". Um dos maiores cantores e ritmistas que o Nordeste ofertou ao Brasil, Jackson (José Gomes Filho, 1919-1982) foi um dos artistas mais comoventes que já vi sobre um palco. Nascido em Alagoa Grande, no interior da Paraíba, o moleque Zé ("Vixe, como tem Zé/Zé de baixo e Zé de riba/Esconjuro com tanto Zé/Como tem Zé lá na Paraíba") era filho de uma cantadora de coco, que arrepiava tocando ganzá. Queria aprender a tocar sanfona, um dos instrumentos preferidos dos nordestinos, juntamente com o zabumba e o triângulo.
Os pais não tinham dinheiro para a sanfona, deram-lhe um pandeiro. Menino ainda, Jackson se mudou com a família para Campina Grande, onde fez todo tipo de trabalho destinado aos meninos pobres e começou a prestar atenção nos cantadores de coco e violeiros das feiras. Foi em Campina que amigos lhe deram seu primeiro nome artístico, Jack, por influência dos seriados norte-americanos de faroeste a que assistia no cinema, onde tinha sempre um Jack isto ou aquilo.
Foi fazendo o seu caminho, ao caminhar e ao cantar. Nos anos 40, transferiu-se para João Pessoa, onde tocou em cabarés e começou a se apresentar em programas de rádio. De lá, para Recife, a desde sempre festejada capital de Pernambuco. Estreou na concorrida Rádio Jornal do Comércio, onde ganhou e adotou definitivamente o nome Jackson do Pandeiro. Em 1953, gravou seus primeiros sucessos:
Sebastiana (Rosil Cavalcanti) e
Forró em Limoeiro (Edgar Ferreira). Em Recife casou-se com Almira, que se tornou sua parceira nas apresentações, dançando e fazendo coro ao seu lado.
Jackson do Pandeiro e João do Valr
O ano de 1956 encontra Jackson e Almira desembarcando no Rio de Janeiro. Sua maneira peculiar de cantar e de tocar o seu pandeiro já era festejada no país inteiro e o
paraíba danado foi logo contratado pela Rádio Nacional. Fez um sucesso enorme, de público e de crítica, arrepiando nos baiões, cocos, rojões, sambas e marchinhas de carnaval. Sua influência é até hoje sentida em artistas que regravam as músicas que Jackson celebrizou. A influência de sua maestria e velocidade vocal pode ser conferida em grandes artistas que se inspiraram nele, como João Bosco, Lenine e Elba Ramalho, entre tantos outros.
Jackson do Pandeiro popularizou e deu dignidade interpretativa a inúmeros clássicos da música nordestina, como
Chiclete com Banana(Gordurinha/ Almira Castilho),
Xote de Copacabana (José Gomes),
17 na Corrente (Edgar Ferreira/ Manoel Firmino Alves),
Como Tem Zé na Paraíba (Manezinho Araújo/ Catulo de Paula),
Cantiga do Sapo,
A Mulher do Aníbal, (Edgar Ferreira) e
Forró em Caruaru (Zé Dantas).
O gigante inconteste da música nordestina, talvez maior nome do gênero, Luiz Gonzaga dos Nascimento (1912-1989), é a própria e mais legítima tradução do forró. Gonzagão é a cara do Nordeste e do Brasil. O artista, que nasceu e morreu em Exu (PE) e foi pelo povo coroado Rei do Baião, tem para o homem do Norte e Nordeste do Brasil a importância da fé no Padre Cícero Romão.
A obra de Luiz Gonzaga é vasta e poderosa. Deixou para a música brasileira verdadeiros hinos de alegria e de esperança, como
Asa branca,
Vozes da seca,
No meu pé de serra,
Qui nem jiló,
Baião,
Juazeiro,
Triste partida,
A volta da asa branca e tantas outras, compostas ao lado de parceiros musicais importantíssimos – Humberto Teixeira, Zé Dantas e Patativa do Assaré entre eles.
Nascido em Pedreiras (MA), em 1933 ou 1934 (há confusão de registros), João do Vale morreu dia 6 de dezembro de 1996, em São Luis do Maranhão – para onde voltou depois de muita doença, abandono e sofrimento no Rio de Janeiro. De família muito humilde, João foi feirante e pedreiro, antes de se tornar conhecido como compositor, na década de 50, já no Rio de Janeiro. Nos anos 60, teve enfim o reconhecimento público, quando ao lado de Zé Kéti e Nara Leão (depois substituída por Maria Bethânia) participou do histórico show
Opinião, lançando sua canção mais conhecida, Carcará. É autor de mais de 300 músicas, algumas delas fundamentais para o forró – como
Peba na pimenta – ou para a música brasileira – como
Vento leste, parceria com Luiz Vieira e que mereceu interpretação antológica de Caetano Veloso.
Sei que existem muitos outros, como Dominguinhos, Xangai, Maciel Melo, que levam a música nordestina e o forró às alturas. Mas esses três aqui citados são, a meu ver, ponto de partida e reta de chegada. De cabo a rabo.
( Luís Pimentel é escritor e jornalista, cronista semanal de O Dia e editor do site Revista Música Brasileira )